domingo, 31 de julho de 2016

Um ano de Caeté Açu ( Vale do Capão)


 Dia 12 de junho - após uns 5 anos de peregrinação-  completei um ano de naMORAmento no Vale. Vim morar num lugar que na visão de alguns é “o fim do mundo”... onde as “ruas” não tem asfalto e  mal tem iluminação; o acesso é difícil, não tem hospital, não tem banco, não tem cinema, não tem linha de celular... ”sem fone sem telefone” no coração da Bahia do Brasil...
E ai? “é uma louca”, pode-se dizer -ou pensar- estou até me acostumando com isso...
Sim! Tudo isso pode ser bem, bem difícil... muito difícil mesmo! Porém essas dificuldades são também a razão de muitas bênçãos. A falta de asfalto e problemas de acesso ao lugar, ajuda a violência a não chegar. Aqui  caminho sozinha com tranquilidade a qualquer momento do dia e da noite... e a minha bici, por exemplo, sempre companheira e “solta”, sei que estará me esperando onde quer que eu a deixar. Na escuridão das ruas/mato/estradas posso ver a lua (com suas fabulosas transformações) e as estrelas, da maneira mais esplendorosa que já pude apreciar; a falta do cimento e concreto faz tudo ficar vivo em todo lugar... à prova disso é a benção (apesar dos sustos) de cruzar com “os intocáveis”:  cobras, aranhas e escorpiões... sinal de que a natureza aqui ainda resiste... e me sinto também viva e feliz por isso, por sentir  que também faço  parte dela, em comunhão com todos os seres. Tem também a deliciosa descoberta de muitos outros “incomuns” como uma “barata de olhos verdes luminosos” ( sim! Tenho provas e estava lúcida). Falei dos peçonhentos, mas claro que tem a magnífica presença dos “aceitáveis” e fofos também, como os micos que às vezes me servem de despertador, e os pássaros de todas as cores que aparecem no meu pátio. Além da nobre liberdade dos “domésticos” cães e gatos que em suas idas e vindas podem aparecer apenas para uma pequena visita ou uma pernoite, indo embora “de boa” no dia seguinte... ou não...como o caso da gata, que decidiu mudar de “mala e cuia” (ou seria tapioca?) pra minha casa. A falta de hospital ajuda a intensificar a busca da medicina natural, da prevenção da saúde, da valorização de quem tem a sabedoria da terra. E como não funciona o celular, e poucos tem internet, as pessoas vão se visitar, e quando estão reunidas, interagem de verdade, se olham nos olhos, não há nenhuma tela pra distrair (nem mesmo da televisão, onde não conheço nenhum adepto aqui). A qualidade que sai de encontros de pessoas com suas particularidades, que se encontram de verdade, dá um enredo, uma novela, que nunca irá ao ar. Quem chega aqui,,, sempre tem algo muito especial pra compartilhar...
Fogo, roda de histórias, massagens, cantos, inipis, tipis, trilhas, acampamentos, culinárias, música, danças, tarots, chás,  preces, jogos, curas, brincadeiras...
Gosto da informalidade daqui, gosto dessas incríveis trocas e das pessoas que estão ou chegam aqui. Gosto de poder com facilidade e reverência, entregar meu sangue à terra; gosto de poder no mesmo dia trabalhar e tomar um banho de cachoeira... gosto de poder caminhar descalça, de respirar ar puro TODO DIA, , e apesar do “trabalho” que dá, gosto da dignidade de dar conta de quase todo lixo que produzo.
Pouca coisa? Para quem já se habituou em demasia com a cidade pode  mesmo ter perdido a noção do significado disso e não entender o valor...
Eu continuo achando que é difícil morar aqui,,,  não entrarei em detalhes das demais “intempéries” desse lugar ainda um pouco selvagem... talvez em outro momento. Mas é esse mesmo fator que me faz sentir viva e inteira aqui. Natural, conectada com minha verdade ...e  apenas parte da natureza...
Uma vez concluí que precisava morar num lugar em meio à natureza onde pudesse ouvir línguas diferentes e música tocando ao vivo... me dei conta que isso estava acontecendo aqui na minha vida!
E foi bem quando estava contemplando as montanhas pela minha sacada,  ouvindo o ensaio da escola de música que me faz vizinhança e ouvindo as pessoas conversando na rua... “Cheguei”! Pensei comigo mesma.

 Fincarei minha bandeira definitivamente aqui? Pode ser... Mas sabe-se lá... Além de ter alma peregrina, tem outro fator que ainda me faz titubear... Esse amor que tenho profundo na vida: o Mar...ai... o mar!!! Essa falta que me faz o mar...

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Minha vida em Bali


É difícil descrever tudo o que tenho vivido até então em Bali. Gostaria de contar como é minha vida aqui, mas não posso falar de nada rotineiro. Minha vida é inconstante e tudo o que acontece aqui, acontece com toda a intensidade, tanto para as coisas boas quanto para as ruins... a ilha é mágica, seguramente. O que me faz lembrar daquele antigo seriado “A ilha da fantasia” (só vai lembrar disso quem é da minha geração!). Era um seriado onde um homem grisalho recebia junto a um anão, convidados em sua ilha (a Ilha da fantasia) e nesta ilha todos os sonhos se tornavam realidade...
Aqui em Bali, de fato isso acontece, pelo menos aconteceu comigo... Tudo o que almejei aqui se tornou realidade... com alguns percalços no caminho também. Mas de tudo isso vou falar mais adiante, agora vou tentar contar das coisas que de certo modo se repetem aqui na minha vida em Bali, ou seja, no cotidiano de vida aqui.
Ao sair com minha bicicleta (que é meu meio de transporte aqui), encontro, reencontro e redescubro Bali diariamente...
É muito comum, ouvir de pessoas desconhecidas: homens,  crianças (e algumas vezes  mulheres) um sonoro e entusiasmado: “HELLOOO!!!”. E ao pedalar em menor velocidade, ou quando se está esperando no semáforo, se pode ainda ouvir a frase que costuma vir na sequência: “Where do you go?”. O diálogo, portanto é bem direto: “Hello! Where do you go?”. As crianças especialmente adoram a oportunidade de praticar o inglês que aprendem na escola com essas duas frases! Às vezes incluem também uma terceira: “How are you”?
Outra coisa que me chama atenção aqui é que eles se vestem de  forma a não mostrar o corpo, mas  se pode ver também, passando pelos rios, homens nus e senhoras sem blusa tomando banho ou lavando roupas.
A paisagem da cidade (Ubud) é feita de campos de arroz, coqueiros, templos, estátuas de deuses, monstros, oferendas, árvores, flores...
Uma das principais “marcas registradas” de Bali é ver em todo e qualquer lugar, a toda e qualquer hora as lindas oferendas que as mulheres preparam para os deuses diariamente. Elas estão espalhadas, nos templos, nas calçadas, em cima dos carros, motos, nas mesas dos restaurantes, estabelecimentos comerciais, rios, mesa de consultório médico, estradas... Nenhum lugar escapa.
As mulheres fazem pequenos cestinhos feitos de folhas de palmeira e ali podem colocar várias coisas: incensos, flores, arroz, bolachinha, moedinha. As vezes vejo apenas um pouquinho de arroz em cima de um pedacinho de folha no chão. Quem sai no lucro com isso são os animais, já vi gatos, cachorros, pássaros, galos e galinhas comerem as oferendas... Vai ver que eles também são deuses e o povo ainda não se deu conta. Que percebessem que todo animal faz parte do divino já seria uma grande conquista aqui, pois se tem uma parte que não é tão bonita desta história é o tratamento aos animais. Mas disso falarei em outro momento.
Voltando a parte bela, é comum ver também as mulheres com os trajes coloridos de muita feminilidade carregando pelas ruas as oferendas na cabeça. Daí se enxerga de tudo, frutas, cestos, comida, incensos... Essas oferendas são levadas aos templos nos dias de cerimônia, sendo que essas acontecem a todo o momento. Existem cerimônias para tudo: celebrar deuses, abençoar marionetes, abençoar máscaras, abençoar ferramentas, lixar os dentes caninos dos adolescentes, cortar cabelo do bebê pela primeira vez, enterrar cordão umbilical, colocar os pés no chão pela primeira vez, fazer “limpeza da casa”. Essas cerimônias são também assunto para outra publicação...
As mulheres não apenas carregam oferendas na cabeça, aqui, as mulheres também fazem trabalho pesado, como, por exemplo,  de construção civil... já vi muita mulher carregando de tudo na cabeça. Certo dia, cheguei até a ficar constrangida, pois estava a caminho de uma cachoeira e para isso tinha que descer um despenhadeiro com escadarias gigantes que iriam me conduzir a um refrescante banho e desfrutar de um lindo domingo de sol com seus 40 graus rotineiros... neste caminho cruzo com uma mulher subindo ladeira acima com 4 imensas e visivelmente pesadas pedras na cabeça. Era tão pesado que ela mal conseguia andar (quem dirá subir aquela escadaria). Eu percebi que nem se eu quisesse poderia oferecer ajuda, pois só de olhar poderia concluir que eu não seria capaz de levantar nem sequer uma única  daquelas 4 pedras...
A cidade também é repleta de motos e lambretas. Em cima delas se vê de tudo: 1, 2, 3 4, 5 passageiros, bebês de colo, recém-nascidos, cachorro, galinha, crianças e adolescentes dirigindo, gente carregando tudo que é tipo de coisa, quilos e quilos de folhas, galhos, colchão, gente fantasiada, gente com e sem capacete, mulheres com oferendas na cabeça...
Existem poucos carros e raríssimos meios de transporte público. Após vários meses em Bali a única informação que tenho sobre o transporte público (uma espécie de Combi precária), é que nunca se sabe a que horas elas passam e exatamente para onde vão. Sei também que param de circular muito cedo. Eu moro longe do centro e da casa do meu professor, por essas razões tive que comprar uma bicicleta, pois ainda não tenho a coragem de dirigir uma moto, ainda mais depois de observar o trânsito caótico. Desde que estou aqui este tem sido meu único meio de transporte. Eu nunca andei tanto de bicicleta em toda minha vida e olha que eu já andei muito de bicicleta nessa minha vida... Nos primeiros 15 dias eu chegava a ter dor nas “partes secretas”, fui obrigada a investir num banco mais macio, mas tive que aprender a conviver com os calos permanentes nas mãos.
O primeiro dia que saí de bicicleta na cidade foi um momento marcante, pois estava com muito medo e nem sabia como dirigir nas condições oferecidas: as ruas são estreitas e as calçadas ainda mais, o que muitas vezes impede mais de duas pessoas caminharem lado a lado nelas... Nas ruas aquela confusão de motos, carros e lambretas andando na direção contrária da que estou acostumada. O espaço que existe entre o trânsito e a calçada é tomado de carros estacionados. Assim,tremendo, comecei a tentar dirigir pela calçada (como faço no Brasil), mas não durou mais de um segundo, saí atropelando as oferendas pelo caminho... fui forçada a encarar aquele trânsito caótico. Para mim isso foi um “ritual de adaptação” a Bali. Os balineses também deveriam criar uma cerimônia para a primeira vez em que se pedala lá...
Ao pedalar pela cidade a gente sempre ouve no caminho taxistas oferecendo seu serviço. Então a gente escuta a todo o momento: “Táxi! Táxi! Transporte”! É muito engraçado, pois mesmo eles vendo que já estou “me transportando” eles insistem em me oferecer serviços. Acho que porque já se tornou um ato mecânico enxergar uma pessoa “branca” que é sinônimo de “turista” e gritar tal sentença. Um dia, depois de ouvir “táxi” por tantas vezes no meu caminho eu decidi parar e falar o óbvio: como assim “táxi”? O senhor não vê que estou de bicicleta? O cara deu risada. Aliás, a gente vê sorrisos aqui por toda a parte. Quando cheguei ao aeroporto de Bali tinha um cartaz escrito: - “Bali, a terra do povo sorridente”. Eu fiquei pensando: “será mesmo”? Não demorou um minuto para eu ver que era verdade e após um mês e meio aqui eu ainda confirmo. Esses dias inclusive, uma indigente veio me pedir dinheiro nas ruas com uma enorme sorriso no rosto. Não vejo eles brigarem, dizerem desaforos, não vejo reações agressivas, violentas nem adversas a nada... eles chegam a pedir desculpas quando não sabem falar em inglês. Eu vejo olhos benevolentes por toda parte, inclusive dos homens (com algumas raras exceções). Eu e uma amiga americana que ficou muito próxima a mim, chegamos até a nos sentir frustradas com toda essa “benevolência” do olhar masculino. O que sobra de pimenta na comida falta no olhar. Esses dias finalmente uns pedreiros nos olharam diferente e falaram algumas coisas que não eram o tradicional:  “hello, where do you go”? Demos muito risada; pelo visto o comportamento na construção civil não muda em lugar nenhum do mundo. Isso poderia dar uma pesquisa sociológica...




Um dia na India


Finalmente adentrei o território indiano com os meus (agora não mais tão lindos) sapatinhos vermelhos, pisando no lindo e atapetado aeroporto Indira Gandhi in Deli  Eu tinha pouco mais de 24 horas por lá. Seguiria viagem para Indonésia, e depois retornaria a Índia com mais tempo.
Se não conseguisse pouso com uma família de um amigo indiano que fiz em Roma, que supostamente me receberia (explico mais adiante), eu iria dormir no aeroporto mesmo. Eu havia conversado com um amigo romano que já tinha ido pra Índia e ele havia me dito que realmente seria muito complicado sair e voltar para o aeroporto sendo que tudo fica longe e se movimentar na Índia é difícil (em todos os sentidos). Isso, todas as pessoas que conversei que já tinham ido para a Índia me alertaram - que os indianos estão sempre tentando conseguir dinheiro, estão sempre tentando te enrolar... levar para lugares errados, dando informações erradas (pelo simples fato de que nunca dizem “não sei onde fica”, mesmo que não saibam). O inglês deles é muito difícil de entender, e também o impacto de um ocidental na cidade é muito grande. Muita gente te pedindo dinheiro, te insistindo, te pegando, muita sujeira, gente doente, etc. Enfim, tudo isso me fez ficar apavorada de colocar o nariz pra fora do aeroporto, mas ao mesmo tempo me deixava uma profunda curiosidade para saber qual seria a minha sensação e impressão diante de tudo isso. Até porque eu voltaria para a Índia em um ou dois meses e ficaria mais tempo por lá (1 ou 2 meses mais). A família indiana não me recebeu e eu, já bem cansada começava a constatar que ficar mais de 24 horas naquele aeroporto seria muito difícil... ainda mais que no dia seguinte eu teria mais uma viagem pela frente e mais uma noite no aeroporto da Tailândia. Nesse momento, quando estava chegando a essa conclusão - deitada no desconfortável banco do aeroporto, coberta com minha toalha de banho por causa do frio do ar condicionado - uma moça tailandesa começou a puxar papo comigo. No final das contas ela foi meu anjo naquele dia. Almoçou comigo no aeroporto, dando dicas do que comer e me encaminhou através das agências do aeroporto para um hotel perto dali que ela conhecia (barganhou preços para mim), e me encomendou táxi pré-pago de forma que eu não tivesse nenhuma incomodação. Então foi o que eu fiz. Eu precisava respirar um pouco da Índia e nesse breve trajeto do aeroporto até o hotel já deu para ver um pouco do que eu já esperava pelas informações das pessoas, pelos filmes e documentários que eu havia visto. Mas creio ter sido só uma pequena amostra, pois não se tratava do centro da cidade.
Enfim, carros buzinando sem parar e sem razão; uma criança e uma mulher com um bebê no colo ficaram me pedindo dinheiro quando o carro parou numa sinaleira.
         O hotel era bem decente e limpo, mas o lugar ficava num “brejo”. Talvez fosse tudo assim? Decidi dar uma caminhada aos arredores do hotel, queria aproveitar que ainda era dia. Eu tinha diferentes informações a respeito da forma como deveria me vestir lá. Para os indianos que eu havia perguntado, todos me haviam dito que não tinha nenhum problema em vestir as roupas ocidentais, já os ocidentais me falaram que a gente não deve mostrar ombros nem tornozelos. Eu resolvi novamente buscar minhas próprias conclusões. Por via das dúvidas saí com calças compridas, mas com blusa regata. E o mais importante, saí sem bolsa, sem nada.
Bom, eu não sei se era eu ou a roupa, mas TODOS me olhavam. Eu me senti como uma alienígena pousando num estranho planeta. Pois eu também tinha o mesmo olhar para tudo, embora estivesse vendo tudo o que já esperava ver. Eu me sentia dentro de um filme de Bollywood, tinha vontade de rir com a situação e com aqueles milhares de olhares negros e profundos, os quais eu sentia ser alvo. Especialmente olhares masculinos, pois a maioria esmagadora nas ruas eram homens. Eu queria parecer familiarizada com o local e andar de forma objetiva para não chamar ainda mais atenção, mas era difícil, havia milhares de coisas a serem vistas com espanto, além dos milhares de olhares que eu também queria olhar, e tudo isso fazia com que eu achasse ainda mais graça de tudo... Eu sentia um misto de coisas dentro de mim, e aos poucos comecei a relaxar interiormente e me permitir olhar mais, então meu olhar começava a cruzar o olhar com olhares curiosos, olhares inocentes, olhares nitidamente desejosos, ou mesmo desejosos e inocentes... Eu ia caminhando por ruelas sem asfalto no meio das vacas, das pessoas, das motos que passavam correndo e buzinando sem parar; barbearias que pareciam que tinham parado no tempo, crianças brincando, lojas de tecidos, lojas esquisitas, pessoas cozinhando não sei o quê em panelas nas ruas. De certa forma me lembrei de Cuba.
Quando estava já retornando para o hotel um adolescente me parou muito educadamente e me perguntou o que eu estava achando de “sua Índia”. Ele disse timidamente que estava tremendo porque não sabia falar bem em inglês.
À noite encomendei minha janta pelo hotel. Não entendia nada do que significava a comida do cardápio, até que encontrei “Chinese Shop Suei”. Não hesitei na escolha, mas o que recebi foi algo nunca dantes visto, estava longe de ser a tradicional comida chinesa. Acho que era uma versão “made in china”. Recebi um pote do que parecia ser uma batata palha, mas também não era batata, com um pote do que parecia ser uma sopa vermelha de legumes. Dentro de cada pote recebi também um fio de cabelo de brinde. Tive de encarar a refeição, pois estava com fome. Supus que deveria mergulhar a “batata palha” na “sopa”, o que fazia lembrar um pouco mais o “shop suei”. Fora os cabelos, a comida estava uma delícia, mas não consegui comer tudo, fiquei com receio de que alguma coisa não pudesse cair bem. E assim terminou meu dia na India, tudo certo, sobrevivi! E voltarei...

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Mais um pouco de Suíça



 Já se passou um mês que estou aqui em Thun, e continuo captando/percebendo continuamente as características desta cidade. Reafirmo que aqui é a “Terra dos Frufus”, é impressionante a quantidade de detalhes que se pode reter da visão de cada casa em termos de enfeitezinhos, florzinhas, bonequinhos, enfim “frufruzadas”. Acho que até agora encontramos apenas UMA casa sem flores nas janelas ou quintal, o que até chega a parecer um desaforo. O interessante é que nossa amiga conhece a dona da casa, e nos contou que ela é vendedora de flores! Isso reafirma aquele ditado “em casa de ferreiro, espeto de pau”. Num único jardim de uma casa, é impressionante tudo o que se pode encontrar, desde estatuas pelo chão, gnomos, anões, “penduricos” por todos os lados. Nas lojas se encontram todos os tipos de “inutilidades”... tudo pensado para tornar a vida “mais e mais perfeita” e sem NENHUM esforço. Tem de tudo que se pode imaginar e não imaginar também, como um objeto criado para colocar numa garrafa d água e tornar mais fácil o ato de servir um copo (?) , tem também uma almofadinha para colocar um ovo em cima (?), tem um “bastão” que ajuda a pessoa a colocar os sapatos nos pés sem precisar se abaixar e o campeão dos frufus que é para mim os ovos de galinha que são vendidos já cozidos ( afinal de contas é muito difícil cozinhar um ovo) e pintados de variadas cores para distingui-los dos ovos crus.
Logo que cheguei aqui, admirei alguns cães “nadadores” que eu vi nos meus passeios ao lago. Eles eram exímios nadadores, indo buscar e devolver ao dono os pedaços de madeira ou bolinha atirados a água. Passados os dias, percebi que TODOS os cachorros fazem isso e são de uma obediência monótona. Aí foi que meu amigo suíço me explicou que aqui todo o cachorro é obrigado a freqüentar a “escola”. Claro que é legal ver um cão educadinho, mas sinto falta da espontaneidade de um cachorro qualquer, que atende quando a gente chama. Um dia desses eu estava deitada na grama do parque, quando ouvi gritos desesperados e um cachorro vindo correndo em minha direção. Os donos gritavam: - “DIANA, DIANA”!!!!!!! com uma voz de pânico, e eu -naquelas poucas frações de segundos que me distanciavam do cachorro- fiquei a imaginar o que estaria por vir, já que eles estavam tão desesperados. Mas o encontro foi magnífico, o cachorrão saltou em mim como se eu fora uma velha amiga e por aqueles breves segundos ambos nos esquecemos de que estávamos na Suíça. Logo chegaram os donos extremamente constrangidos e pedindo desculpas sem parar pela desobediência do cachorro.
Fiquei imaginando meu cachorro aqui, um vira-latas incorrigível que “nos leva para passear” na guia, que não para nunca de latir e sai correndo atrás dos calcanhares dos ciclistas e das rodas dos carros, ou uma de minhas cachorras que se atira em cima das pessoas e com seu tamanho é capaz de derrubá-las. Com certeza eu já estaria presa...
Acho que os cachorros aqui aprendem também a não latir, pois eu nunca ouço latidos de cachorro... aliás eu não ouço nada.... na vizinhança também tem muitos gatos, mas eu também não ouço os gatos. Talvez seja porque TODOS são castrados. Minhas amigas me disseram que aqui se respeita muito o silêncio depois das 10 da noite, pois as pessoas de fato chamam a policia quando se sentem incomodadas com o barulho. Também é proibido cortar grama das 12:00 às 14:00.
Com relação aos gatos, existe também algo muito peculiar. As casas tem uma “passagem secreta” para eles. Cada gato tem um chip que permite apenas a sua entrada a casa, não permitindo o acesso aos gatos alheios.
As ruas, as estradas, o centro, não tem UMA sujeira no chão. Para não mentir um dia encontramos um toco de cigarro na rua e um pedaço de borracha de pneu na estrada.
         Meus planos são de seguir viagem para a Índia, já estou tentando me preparar psicologicamente para viver os contrastes...


Vida de milionária na Suíça


Como já havia comentado por aqui, eu às vezes me surpreendo com minha capacidade de viver situações insólitas. Eu agora, no caso, estou tendo a capacidade de viver uma vida de milionária mesmo sem um tostão no bolso. A casa onde estou parando aqui em Thun, é de duas grandes amigas, que acabei conhecendo em Paris, quando fazia a escola de teatro do Philippe Gaulier. Na real aqui, é uma pousada também. Tudo é perfeito, impecável, exatamente aos moldes suíços. Parece um mundo de contos de fadas. Todas as casinhas são cheias de enfeites, detalhes coloridos, flores nas janelas. No Brasil poderíamos utilizar a expressão “frufru”.
A casa onde estou tem sacada para os Alpes e cama de massagem automática. Assim, tomo meu café da manhã contemplando a gigantesca JungFrau , montanha marrom e  verde com cobertura de “côco”. Quando falo que tomo café da manhã, estou falando  que como O  MELHOR pão, o MELHOR café, a MELHOR manteiga, o MELHOR queijo... tudo aqui é do BOM E DO MELHOR, incluindo todos os itens de cama, mesa e banho. Assim, tenho o MELHOR colchão, o MELHOR travesseiro, a MELHOR coberta...
Continuando minha jornada rica e bucólica, depois do café, ou em qualquer outro momento do dia, recebo essa incrível massagem da cama automática, que faz uso de pedras quentes. Há, e começo meu dia apanhando as pequeninas maçazinhas, e as framboesas que estão disponíveis no jardim.
Preciso contar também de minha chegada “triunfante” na cidade. É incrível, mas eu tenho conseguido a façanha de, sem planejar, estar presente ou mesmo de chegar às cidades no dia do aniversário das mesmas, ou quando estão comemorando algo. Assim aconteceu em Olinda e Recife, onde participei das comemorações de aniversário dessas cidades, assistindo ao show gratuito da Elba Ramalho. Um dia depois que cheguei em Udine,  (Itália), era aniversário da cidade e assim tiveram muitos shows de comemoração, espalhados pelos lugares. Em Veneza nem se fala, cheguei no dia da festa mais importante da cidade a “Festa del Redentore”. Portanto, aqui na suíça não foi diferente, cheguei no dia do aniversário do país. Assim, naquela noite, além de ver pela sacada de casa, as montanhas e Alpes suíços, eu ainda via, uma imensa lua cheia e os fogos de artifício completando o quadro surrealista. Minhas amigas suíças, devido a esses acontecimentos, me denominaram “party girl”.
Nessa comemoração suíça havia algo muito peculiar, ou pelo menos diferente da nossa cultura. TODAS as casas da vizinhança estavam soltando fogos de artifício, e os soltariam pela noite inteira. Mas não se ouvia uma voz humana sequer. No meu entendimento se eles compraram fogos para soltar a noite inteira pelo país, isso significa que realmente amam o lugar onde vivem e queriam festejar. Desta forma eu esperaria ouvir um “eeeee!!” ou “viva a suíça!!” (em Suíço Alemão, é claro), mas o silencio era sepulcral! Aliás, tudo é muito silencioso aqui... Entrei umas três vezes em lojas ou mercado e achei que não houvesse ninguém, devido ao silêncio, mas todos estavam ali... mesma coisa depois que “cai o dia”, não se ouve mais nada, absolutamente nada...e portanto também não se pode fazer barulho nenhum.
Dois dias depois da minha chegada, fui assistir a apresentação de um musical sobre o Titanic. O musical era ao ar livre, e o fundo do “palco” dava para os Alpes e para o Lago de Thun. Essa é a visão mais incrível que eu já pude obter de um lugar. Eu estive em Thun pela primeira vez em 2003 e nunca me esqueço do impacto que tive ao ver essa estupenda paisagem que havia se descortinado aos meus olhos ao estacionar minha bicicleta numa estreita ponte de madeira. Eu nem sequer pude exprimir uma palavra de admiração, fiquei muda por um bom tempo enquanto chorava de beleza. Uma emoção ímpar tomou conta de mim. Coincidentemente conheci uma pessoa em Porto Alegre que assim como eu, pela primeira e única vez na vida (até então)  , havia chorado ao ver uma paisagem e este lugar era uma cidade da Suíça, da qual ela não lembrava mais o nome. Acabamos por reconhecer que se tratava do mesmo lugar quando contei da minha experiência na cidade de THUN.
Trata-se de um imenso lago cor “verde-água nunca dantes visto”, rodeado por majestosas montanhas que exibem variadas formas, contornos, volumes e cores, que vão do verde intenso ao branco neve da base ao topo respectivamente. Há também algumas pedras na encosta - só para combinar dar aquele um toque decorativo característico da cidade.
Na época eu até havia tirado uma foto daquele local, que ficou marcado pra sempre na minha memória. Não é que saindo pra passear a uns dois dias atrás acabo por descobrir que estou há duas quadras daquele lugar? Nem pude acreditar, estou no lugar mais lindo do mundo! E vou poder usufruir dele por mais de um mês!
Na verdade tenho que admitir que, pra mim, às vezes não é tão simples assim aceitar essas condições... quero dizer que às vezes sinto culpa, ou não me sinto merecedora. Na verdade eu tenho que trabalhar profundamente dentro de mim para aceitar a beleza e o bem-estar supremo, quando ele aparece. Não sei por que isso acontece, não sei se é uma coisa minha, ou se é com todo mundo...
Fico pensando se não seria uma herança católica que esta incutida lá no nosso DNA, e que nos faz acreditar que só com muito trabalho ou sofrimento podemos alcançar a felicidade. Ou que devemos fazer MUITO por merecer... Eu costumo me pegar pensando: “tem gente que merece muito mais e não tem nada disso” Por exemplo, tem pessoas realmente lutando pelos direitos humanos, vivendo uma vida de dedicação pela humanidade, de abnegação, e estão muitas vezes vivendo em terríveis condições e perseguições de todos os tipos. Enfim, só dando uma rápida escapada para um papo meio filosófico sobre justiça, religião, sentido da vida, sei lá o que...
Mas voltando finalmente àquela apresentação do Titanic que fui assistir; eu já me daria por satisfeita só por ver aquele “cenário”, nem precisava de mais nada. Mas a encenação começara e assim iam aparecendo os atores vestidos conforme aquela época e invadindo o palco com os carros antigos e com  cânticos em Suíço Alemão! Mais um episódio surrealista para a minha coleção... A peça se desenrolava até chegar o ponto do início do naufrágio, e com ele veio a chuva. Era chuva de verdade... e quanto mais o “barco” afundava na cena, mais a chuva engrossava, o que dava um toque bastante realista a encenação.
Mas como tudo aqui na Suíça é perfeito, o público já estava preparado para as intempéries. Cada um recebeu ao entrar no espaço da encenação, uma capa de chuva. Assim, ao sinal das primeiras gotas, eu vi toda a platéia de “uniforme” amarelo. A chuva foi ficando tão forte que tiveram que cancelar a apresentação, pois estava ficando impraticável para os atores seguirem a cena do náufrago no meio de tanta água! Na saída, era impossível distinguir uma pessoa da outra naquela multidão de capinhas amarelas, assim tivemos que andar, eu e minha amiga, segurando uma na outra até chegar em casa. Não costumo ter medo de me perder nos lugares, quando estou em viagem, pois me sinto confortável com o inglês. Mas aqui é diferente, eu sou literalmente uma surda-muda e analfabeta. É muito estranho e muitas vezes desagradável a sensação de não entender absolutamente nada da língua. Percebo que nem todos falam inglês aqui... Eu estou na parte Alemã da Suíça, portanto eles falam suíço-alemão. Nem o nome da rua onde eu estou eu consigo dizer... mas de qualquer forma eu simpatizo com a língua, não é seca como o alemão, é cantada e redondinha...
Mas por incrível que pareça, apesar destas incríveis paisagens e do mundo “perfeito” que se tem a sensação de experimentar aqui, a Suíça está em primeiro ou segundo lugar dos paises que tem maior índice de suicídio no mundo atualmente. Quem me passou essa informação foi minha amiga suiça, eu ainda não cheguei a verificar. Acho que se for falar disso, entraria em outros papos mais filosóficos. Mas só para dar uma rápida e superficial passada,... eu não posso deixar de me lembrar do nosso povo e em especial  do que vi do povo do nordeste, com uma vida tão dificil e aparentemente tão sofrida, com uma cultura tão alegre, tão rica e com povo tão sorridente e amável... quanto contraste, quanta contradição.... ou não?
O que faz os habitantes do “paraíso” tão infelizes?
Uma coisa é certa, de forma geral, percebo a falta do riso, da bagunça, do som, da descontração, do toque, do carinho. E isso não é só aqui, pelo menos dos países da Europa que conheci, é da mesma forma...
Aqui é aperto de mão... Tenho que me conter para não abraçar as pessoas. Mais do que tudo, e isso eu sempre sinto, mas não sei ao certo explicar... é algo sobre a nossa música. A nossa música tem um “quê”, que mais nenhuma outra tem e esse “quê” certamente está no nosso DNA... felizmente!  Enfim, papo para uma outra postagem, quem sabe outra hora...

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Primeiros dias no Vale do Capão


Minha primeira semana aqui, foi como já comentei, de doença e de recuperação, mas ainda assim, já pude vivenciar e perceber muitas coisas da “cidade”. Por enquanto o que tem sido mais marcante é o contato intenso com a natureza. Apesar de não ter feito ainda nenhuma das famosas trilhas do lugar, eu respiro o ar puro constantemente, vejo todas as noites um magnífico céu, bordado de estrelas e até há algumas noites atrás, uma gigantesca lua cheia. Eu tomo banho nua de riacho, deito nas pedras para me aquecer no sol. Caminho descalça pela terra e pela areia das estradas, estas que provocam uma sensação inédita e lúdica na pele, pois parece que se está pisando em cima de talco...
Eu ouço o silêncio, os grilos e sapos à noite, os galos cantando pela manhã, e as galinhas cocoricando por todos os cantos (aqui tem muita galinha) . Ouço o barulho forte do vento mexendo nas árvores durante a noite. Aqui venta muito...
No camping em que estou parando no momento, às vezes, em vez do silêncio eu escuto sons de digiridum, pandeiro, e bem ao longe um forte som de tambores de música africana. (Acredito que venha de alguma aula de dança) Ouço também muito, muito reggae, o que me ajuda a constatar que realmente eu mudei de estado. Não estou mais em Pernambuco, e sim na Bahia. Percebo a diferença de ritmo, de comportamento e do sotaque dos baianos...
Bem em frente ao meu quarto tem uma árvore, onde dois sagüis já deram o ar de “suas graças”, chegando bem perto de mim, e mostrando, para meu espanto, as suas feições minúsculas e tão humanas. Semelhança que quase me faz considerá-los mini-seres humanos.
Já fui à feira de orgânicos e conheci o famoso “Circo do Capão”, que é um ponto de cultura onde tem aulas de circo e de dança. Existem outros espaços culturais e festivais de dança e circo. Quando eu cheguei estava acontecendo um festival de dança, que oferecia aulas de várias modalidades como danças brasileiras, dança do ventre, dança tribal, passes mágicos, etc.
Como eu já havia falado, Capão é famoso por ser um lugar muito cultural, então essas aulas continuam sendo oferecidas regularmente aqui. São oferecidas também aulas de yoga, diversos tipos de terapia e massagem.  Esse é um lugar cosmopolita, se vê gente de tudo que é lugar do mundo.  Percebo agora que foi esse também um dos motivos de meu estranhamento pelo local. Estou numa cidade do interior que é cosmopolita.
Os “seres” que aqui habitam, muitas vezes parecem ter vindo de outro planeta, pela maneira de se vestir, de se comportar...
As ruas não tem asfalto, um lugar fica bem distante do outro, a gente é obrigado a caminhar muito para ir a qualquer lugar e “engolir” muita poeira no caminho. É impossível permanecer mais de alguns segundos com os pés limpos. Pés de poeira já é a marca de Capão. Ás vezes se vê um deslocamento grande de pessoas pelas estradas, muitas delas indo a caminho das aulas de yoga, de canto, ou alguma outra das inúmeras atividades culturais. E o “centro”, que é chamado a Vila, tem meia dúzia de casas, a maioria restaurantes vegetarianos, lan house, uma igreja, uma praça e um quiosque onde tem aulas de capoeira.
Foi uma sensação estranha voltar de madrugada e sozinha na estrada escura, depois de um show que eu fui. Mas isso é comum aqui. É um lugar considerado muito seguro e tranqüilo. Eu de certa forma tive uma comprovação disso logo que cheguei na cidade. Eu estava esperando minha amiga na Vila cedinho da manhã com todas as minhas malas. Queria me deslocar em busca de uma lan house, um camping e um café da manhã, mas como disse, aqui é impossível não caminhar longas distâncias e com as malas isso seria quase impossível. Foi então que uma moça, dona de uma padaria me disse que eu poderia tranquilamente deixar minhas malas na rua mesmo. Eu não acreditei, mas ela reforçou a idéia: “Pode deixar na rua mesmo, que aqui ninguém “bóli” não”  Segundo ela, uma vez deixaram algumas malas na rua por DOIS dias e as malas permaneceram ali, no mesmo lugar... “ninguém buliu”. Eu sei que o que fiz foi muito arriscado, mas eu de fato deixei as malas jogadas no chão. Eu fiquei tão intrigada que acho que precisava “pagar pra ver”. De fato, passaram- se cerca de uma hora, e ninguém “buliu”.
Ainda na minha primeira semana aqui fui dançar forró na Vila. Ali se encontram tanto os nativos quanto os que vieram morar aqui e os que estão a passeio. Comemorei também meu niver de 36 anos, indo assistir a uma incrível apresentação de música, num espaço cultural chamado Jaqueira. Reuniram-se vários músicos, de diversos lugares do planeta, e acho que até de fora dele, com diversos instrumentos, alguns dos quais eu estava vendo e ouvindo pela primeira vez. Dentre eles um instrumento suíço chamado Hang Drum. Uma pessoa que conheci afirma que esse instrumento tem tecnologia extraterrestre. Diz que só na Suíça mesmo se consegue fazê-lo, que ninguém mais em nenhum outro lugar conseguiu, apesar de terem aberto o instrumento de cabo a rabo e tentado imita-lo inúmeras vezes. Até o formato parece uma nave espacial e o som é de fato especial. Diz que tem uma lista de espera de dois anos para comprar o instrumento e que ele custa cerca de quatro mil reais. O som que sai deste instrumento é lindo. Tivemos também instrumentos árabes, aborígines, africanos, cantos em línguas diversas. A música foi de fato sublime, um presente e tanto de aniversário...

Por que será que estou aqui?


Percebi que eu realmente estava me embrenhando mata adentro quando enxergo ainda sonolenta, uma placa na estrada por onde percorria meu ônibus, alertando para presença de veados  no caminho (só para esclarecer, se trata aqui do animal mesmo). Para uma pessoa criada na zona urbana, isso é algo no mínimo incomum.
Foi quase a mesma sensação que tive quando em Goiana, (Pernambuco) fui abrir a janela do meu quarto de madrugada e ainda sonolenta, dou de cara com um burro ( trata-se aqui do animal mesmo). Sobre essa viagem eu não contei ainda, trago neste momento apenas essa lembrança. Foi uma sensação muito distinta essa... Um burro no meio da madrugada na janela do meu quarto!
Mas voltando à outra viagem, eu estava nitidamente me aproximando muito da natureza, já não se via mais casas há muito tempo na estrada e eu estava me aproximando do Vale do Capão, meu próximo destino... O Capão fica na Chapada Diamantina, no coração da Bahia.
“Por que será que estou vindo pra cá?”, “O que estou fazendo aqui?” Eu me perguntava naquele momento, e muitas vezes, volto a me fazer a mesma pergunta. De certa forma eu tinha uma resposta, mas ela não me convencia completamente, ou melhor, ela ainda não me explicava tudo...
A resposta era que eu estava ouvindo falar de Capão, quase desde o primeiro instante em que eu havia colocado meus pés em Olinda. A maioria das pessoas que chegavam lá vinha de Capão, ou já tinham estado aqui. Todas elas falavam maravilhas do local. Alguns estrangeiros me falaram que consideravam inclusive o melhor lugar do Brasil. Mas o argumento que verdadeiramente me convenceu foi a descrição de que Capão era um local de muita natureza, arte e espiritualidade. Para mim essa “tríade básica” é o que acredito ser o mais próximo possível de uma “vida feliz” Essa minha amiga do teatro que conheci em Olinda morava aqui e minha amiga francesa também estava com planos de vir (novamente). Eu poderia seguir minha prática das danças aqui mesmo. Me disseram que tinha espaço para ensaios também (o que eu já não tinha mais em Olinda).  Então decidi que deveria vir para cá mesmo. Mais cedo ou mais tarde esse ano, eu já havia definido que iria conhecer o lugar, mas achei, devido a essas circunstâncias, que esse era o momento. Eu já havia sido informada também de que Capão era um local com uma energia muito forte.
Eu ainda estou tentando definir o que é o Capão, mas tem sido uma tarefa difícil... eu estranho o lugar, estranho as pessoas e me estanho também...
Bom, é necessário também relativizar esse meu estranhamento, pois na verdade faz três dias que estou começando a me recuperar de uma dengue que adquiri em Olinda. Faz uma semana que cheguei aqui, e o que fiz até agora foi basicamente ficar de repouso...